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O Comer e O Prazer

Foto do escritor: Gustavo EngelmannGustavo Engelmann

Antes de começar esse texto quero te fazer um convite especial, confia e faz porque é bem legal!


Por 30 segundos feche os olhos e relembre os sabores que mais marcaram a sua infância e adolescência. Tente se lembrar o que costumava comer no recreio do colégio, aos domingos, em eventuais festas de outras crianças...


Quando fiz, os que mais me despertaram lembranças e emoções foram “Fármacia”, que era uma mistura de todos os refrigerantes disponíveis na máquina da cantina do colégio, aquele pirulito “DipLoko”, que explodia na boca quando passava ele no pó mágico do saquinho, coxinha, pastel, nhoque, batata frita, Mc Donald’s, Pringles, enroladinho de salsicha, “7belo”, aquela bala delícia e “Big Big”, um chiclete famoso.

Sabe o que um refrigerante, toddynho, biscoito recheado, salgadinho, pizza congelada, nuggets, salsicha e uma barra de chocolate têm em comum, além se serem produtos ultraprocessados cheios de ingredientes que muito provavelmente você sequer faz ideia do que sejam?


Todos eles fizeram parte da minha alimentação durante boa parte da minha vida, e muito provavelmente ainda fazem parte da sua também.


Não sei como foi a sua infância, mas vou te contar brevemente um pouco da minha. Aos 8 anos meus pais se separaram, e decidi morar com minha mãe. Morávamos em São Paulo e me lembro que até os meus 16 ou 17 anos ela trabalhava o dia todo fora de casa, saindo antes das 7:00 e voltando depois das 19:00.


Desde que nasci até os meus 11 anos estudei em período integral nas escolas que frequentei, mas foi a partir dos meus 7 anos que comecei realmente a ter mais contato com comida de embalagem. Apesar de oferecerem almoço com “comida de verdade”, até hoje me lembro de como o intervalo da manhã e lanche da tarde eram regados de produtos embalados, salgados congelados e muito refrigerante. Inclusive, até hoje me pergunto como até hoje ainda é permitido que as cantinas de escolas primárias por todo o país ofereçam esse tipo de produto para crianças!


A partir dos meus 12 anos passei a estudar meio período, mas apesar disso o padrão alimentar mudou muito: na hora do recreio, pacotes e embalagens coloridas e cheias de desenhos enchiam as latas de lixo por todo o colégio. Na hora do almoço, já em casa, comida de verdade, mas vira e mexe acompanhada de salsicha, batata frita, hamburguer, nuggets...


Nessa época, por volta dos anos 90 e início dos anos 2000, muito antes de termos à nossa disposição a quantidade absurda de informação que temos hoje, as multinacionais foram ganhando cada vez mais força no país e o marketing, aliado a quantidade absurda de capital estrangeiro que essas empresas possuíam, fez muito bem o seu papel de convencimento de mães, pais e jovens adultos que eram inundados de informações distorcidas diariamente pela tv, rádio e jornais.


Mas vamos falar a verdade, os produtos oferecidos por essas empresas são tão recheados de sabores artificiais, pensados e calculados meticulosamente para agir de formas que sequer imaginamos em nossos corpos e em nossa mente, que não foi tão difícil assim nos convencer a consumi-los. Como drogas, o excesso de sal, açúcar e outros tantos componentes químicos presentes nos ultraprocessados são capazes de nos viciar e fazer nosso corpo e nossa mente pedir por cada vez mais.


Tudo o que eles precisaram fazer foi nos convencer de que o que eles estavam nos oferecendo era uma solução mais prática e rápida, o que não é mentira, para a constante necessidade de se alimentar. E funcionou. Eles só esqueceram de contar algumas partes “insignificantes”.


Ao mesmo tempo, o tsunami da instantaneidade também acontecia fora da cozinha. TV a cabo, celular, internet...a passos largos a sociedade foi se acostumando a informações, contatos, resoluções etc. cada vez mais rápidos e resultados cada vez mais acessíveis e acelerados.


Se antes a resposta da pessoa amada demorava meses para chegar através de uma carta, de repente, em questão de minutos, com um e-mail ou SMS se diminuía a distância e a saudade, inundando nosso cérebro e coração de alegria e satisfação.


Se antes o almoço de domingo ou até mesmo o jantar depois do trabalho poderia levar horas de preparo e muita louça suja, de uma hora para a outra era só ir ao mercado, comprar algo congelado e deixar no forno enquanto se podia aproveitar melhor o momento em família.


A coisa está evoluindo tão rápido que hoje em dia é só dar alguns toques no celular e escolher se quer comida japonesa, coreana, árabe ou brasileira! E ai se a entrega demorar mais que 40 minutos!!!


Pouco a pouco fomos nos acostumando, e sendo acostumados, a uma praticidade e velocidade que estão cada vez mais distantes do tempo real das coisas da vida cotidiana, nos tornando pessoas ansiosas, aceleradas, impacientes e aflitas por resultados cada vez mais instantâneos, tanto das outras pessoas quanto de nós mesmos (talvez até ESPECIALMENTE de nós mesmos).


Enquanto isso, nosso cérebro no meio disso tudo vai ficando cada vez mais acostumado a esse padrão insustentável, clamando pela próxima inundação de hormônios de satisfação e prazer.


O resultado disso é que cada vez mais julgamos ter menos tempo disponível para o que “realmente importa” ou aquilo que exige um longo processo. Acredito, inclusive, que boa parte de nós, como sociedade, já até se esqueceu ou se perdeu no meio do caminho que leva ao que realmente importa, mesmo que isso seja totalmente individual.


Sempre que posso falo sobre a importância de aprendermos cada vez mais a respeitar o tempo das coisas, ensinamento tão ancestral e cada vez mais necessário. Semear, nutrir, crescer e colher. Na vida o instantâneo é efêmero, pouco vive, pouco nutre.


Hoje são inúmeras as formas de encontrarmos e satisfazermos essa busca incessante por prazer e satisfação imediatos: curtidas recebidas em uma foto ou vídeo publicados no Instagram, no bolo de pote, brigadeiro ou pudim, na cerveja gelada, na pornografia, no rolar de tela do tiktok, no uso de drogas (incluindo remédios)...somente você é capaz de reconhecer a sua forma de “dependência” e questionar se faz sentido para você continuar por esse caminho.


Tá, mas quais as consequências reais disso na minha vida?, você pode se perguntar.


Quanto mais acostumado ao imediatismo e ao prazer ou recompensa instantâneos, o seu cérebro vai perdendo a capacidade de se comprometer e até mesmo de acreditar no poder do longo prazo.


  • Relacionamento em crise? Termina e busca um “melhor”.

  • Sonho não se realizou em 1 mês? Desiste.

  • Dieta não deu resultado em 1 semana? Volta ao padrão antigo já que não muda nada.

  • Falhou em um compromisso que fez consigo mesmo? Abre mão e aceita a derrota e desiste de tentar.


O caminho mais fácil não te prepara para a jornada da vida e te torna cada vez mais fraco.


Dia após dia, na busca por atalhos e na esperança de resultados instantâneos, sonhos, projetos e objetivos dão lugar para pequenos prazeres que assim que passados, trazem em si a necessidade do próximo prazer, e do próximo e do próximo...levando a um ciclo vicioso onde cria e criador se consomem para continuar sobrevivendo.


Por isso te pergunto, e recomendo que responda em uma folha de papel, mesmo que a amasse e jogue fora depois:

  • De que forma você busca e encontra seus prazeres imediatos?

  • Qual foi a última coisa que você desistiu ou abriu mão por não ter o resultado no tempo que gostaria ou esperava?

  • De 0 a 10, hoje, que nota você daria para o seu poder de comprometimento com aquilo que acredita e deseja para si? Porque?


Como um bebê que chora ao ser preparado para um mundo onde você deve “conquistar” seu alimento e não ter mais o prazer imediato do peito da mãe, acreditando talvez que irá morrer de fome se não tiver aquilo naquele instante, precisamos reaprender que nem só de prazer se faz o caminho da vida, e que é exatamente isso que nos faz crescer.


Pouco a pouco fomos sendo escravizados por nossos 5 sentidos, e a indústria sabe muito bem como ativar e viciar cada um deles.


Acredito que todo ser humano sonha em um dia ser verdadeiramente livre, e em meio a tantas prisões criadas e perpetuadas por nós de forma consciente ou inconsciente ao longo da vida, te deixo um convite ao questionamento: por que não começar pelas suas próprias?


* Antes de acabar, uma última coisa! Me conta suas memórias de sabores por mensagem lá no Instagram? Vai ser demais saber um pouco mais de você que chegou até aqui e aprender um pouco mais sobre outros universos alimentares! *


Muito amor!

Gustavo Engelmann

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