Não é novidade para ninguém que a raiva é um dos sentimentos que mais nos faz sentir verdadeiramente incapazes de ter controle algum sobre nossas emoções.
Geralmente acompanhada por um lapso de insensatez, descontrole e fúria, esse sentimento normalmente acaba nos fazendo tomar ações das quais muito provavelmente sentiremos vergonha e arrependimento ao “recobrarmos a consciência”.
Apesar de desagradável, é um sentimento que faz parte de todos nós, e é nossa a responsabilidade de aprendermos a não somente lidar com ele, mas também encontrar a nossa melhor maneira de evitar que se manifeste de maneira descontrolada no nosso dia a dia e em nossas relações.
Mas ainda assim, somos humanos, e quem nunca se confrontou com pensamentos como “poderia ter falado isso de outra forma”, “gostaria de ter agido de maneira diferente” que atire a primeira pedra.
Como um vulcão prestes a entrar em erupção, com um pouco de autoconhecimento e inteligência emocional até somos capazes de sentir aquele fogo começar a borbulhar dentro de nós, fervendo e começando a subir muitas vezes da região do umbigo ou boca do estômago até chegar à garganta.
Mas já parou para refletir o que alimenta esse fogo?
Será que é possível, inclusive, manejar e apagar esse fogo antes que esse vulcão exploda e queime tudo e todos ao nosso redor, inclusive, e especialmente, a nós mesmos? É sobre isso que quero falar por aqui.

Até o surgimento da geração 2000, muito pouco ou quase nada se falava sobre autoconhecimento e inteligência emocional. Ainda mais no Brasil.
Na verdade, talvez até se falasse sobre o assunto, mas com a facilidade de acesso a informações que temos disponíveis hoje, somos uma sociedade infinitas vezes mais capaz de acessar esse tipo de conteúdo, e isso tem um impacto direto na forma que fomos ensinados a lidar e expressar nossos sentimentos quando crianças.
Não quero aqui condenar os pais e mães das gerações passadas, afinal de contas tenho plena consciência de que eles estavam apenas replicando a forma que foram ensinados e principalmente, a forma que observaram as relações se desenvolverem, especialmente dentro de casa.
Se compararmos com os dias de hoje, as palmadas, castigos e punições pouco a pouco vão dando lugar à conversa, compreensão e acolhimento, mas ainda temos um longo caminho pela frente.
“Engole o choro”; “Não me faz passar vergonha na frente de todo mundo”; “Cala a boca e me obedece”.
Quantas frases similares a essas você é capaz de se lembrar de já ter ouvido?
Nos ensinaram desde a nossa infância a simplesmente soterrar sentimentos e desconfortos, acreditando que em algum momento eles seriam esquecidos ou que simplesmente sumiriam de nossos registros emocionais. Mas essa maneira falhou para nossos pais, e com certeza para nós também.
É importante lembrar também que nossas principais referências sociais, como novelas, filmes e a qualidade de informações que recebemos diariamente através de jornais e revistas também foram incapazes de nos levar para um caminho de mais consciência e não-violência. Pode não parecer, mas isso tem um papel fundamental na construção da nossa forma de lidar com a vida e seus problemas e desafios.

A vida imita a arte, ou a arte imita a vida?
Falando em não-violência, a minha percepção sobre esse sentimento tão desafiador começou a mudar quando conheci e me aprofundei na “Comunicação Não Violenta”.
Através desse novo olhar, proposto por um autor norte-americano chamado Marshall Rosenberg, pude entender que a raiva é só mais uma maneira, normalmente a mais rápida e menos eficaz, que encontramos de demonstrar nossas insatisfações em relação às nossas necessidades que não foram atendidas da forma que gostaríamos ou imaginávamos. Qualquer semelhança com um bebê chorando não é mera coincidência.
Resumidamente, na CNV toda forma de comunicação é uma ponte que tem como objetivo conectar as minhas necessidades e sentimentos, aos quais são comuns a todos os seres humanos, às de outras pessoas, encontrando assim a melhor forma de se chegar a um consenso onde todos, na teoria, saiam satisfeitos. Parece bom, né?
Dessa forma, entende-se que podemos escolher expressar um descontentamento ou frustração de muitas maneiras, e cabe a nós encontrar a melhor estratégia para que isso seja compreendido pelos outros sem que isso gere atritos que no final só acabam nos distanciando daquilo que verdadeiramente desejávamos.
Por exemplo: eu gosto muito de comer pizza, e gostaria muito que minha namorada me levasse mais vezes para jantar fora. Eu posso escolher dizer a ela que ela nunca faz isso por mim, que ela espera que só eu faça isso na nossa relação e que se fosse para alguma das amiguinhas dela, ela faria sem nem pensar duas vezes. Ou então, posso dizer que é muito importante para mim e que me faria muito feliz que houvesse um equilíbrio nessa forma de troca dentro da nossa relação, e que um eventual convite dela me faria me sentir amado, acolhido e apreciado.
Percebe a diferença? De ambas as formas estou querendo passar a mesma mensagem: "me leve para comer pizza". Porém, enquanto uma nos aproxima, a outra nos distancia.
E já que estou falando de comida, você já parou para pensar que o que você come pode ter um impacto direto na forma que você lida, sente e expressa suas emoções?
Para a medicina Ayurveda a nossa alimentação, rotina, escolhas diárias e nossos sentimentos tem uma conexão direta, e nela oposto equilibra oposto, enquanto semelhante aumenta semelhante.
Esse conceito pode ser explicado da seguinte forma: Imagine que na noite passada você teve uma discussão acalorada com seu companheiro ou companheira, e foi dormir com raiva. É verão, e a luz caiu no meio da madrugada, te deixando em um quarto quente e escuro, sem ventilação. Você acorda ainda digerindo o acontecimento da noite anterior e a primeira coisa que você faz é tomar um café preto, bem quente, acompanhado de um pão na chapa com bastante manteiga. Você vai para o trabalho e no trânsito alguém te fecha, e ainda por cima te xinga. Você se atrasa. Seu chefe briga com você e te da uma dura, e para “pegar no tranco” você toma mais uma xícara de café. Bate meio-dia e você vai almoçar. Prato do dia: arroz, feijão com bastante alho, bife acebolado, batata frita e farofa com bacon, com a pimentinha da casa para acompanhar. Você volta para o trabalho mais quente do que chegou, e passa o dia pensando em terminar a briga da noite anterior. Na volta para casa, mais trânsito. Você para na academia no caminho e faz aquele treino pesado, levantando o peso na força do ódio. Chega em casa, toma um banho quente e para o jantar come uma pizza de calabresa, com bastante queijo e cebola crua.
Se só de ler isso que acabei de descrever já te deu calor, imagina quando isso acontece na vida real.
Entender a qualidade do que estamos vivendo e sentindo a cada dia nos permite escolher a melhor forma de nos trazer de volta para o equilíbrio!
Será que se ao invés de um café com pão pela manhã fossem consumidas frutas frescas com granola e um suco, no almoço uma salada bem colorida com filé de frango, arroz, purê de mandioquinha e na janta uma pizza de rúcula as coisas seriam diferentes? O que seu corpo te diz ao imaginar isso?

A raiva é um sentimento quente, assim como a ansiedade, o stress, a impaciência...
Estar consciente desse “calor” interno é o primeiro passo para fazer escolhas cada vez mais conscientes: seja na atividade, como uma meditação ou respiração, seja no cuidado com o sono, seja no silêncio e na possibilidade de estar mais presente, seja nas suas escolhas alimentares.
É necessário autoresponsabilidade para não projetar esse sentimento como sendo causa de algo ou alguém que não você mesmo!
Quando você está em equilíbrio, ou pelo menos consciente dos seus desequilíbrios, fica muito mais fácil não se desviar do seu caminho, e quando isso acontecer, estar presente e disposto a aprender com os erros cometidos, encontrar o caminho que foi percorrido até o vulcão entrar em erupção e a partir daí exercer o seu poder de escolher fazer diferente.
No movimento da sua vida, lembre-se que nem tudo vai sair da forma que você gostaria o tempo todo. Nem sempre reagiremos da forma que consideramos ideal. Nem sempre seremos tratados da forma que acreditamos ser a correta.
O importante, acredito, é se lembrar que uma das bases da verdadeira inteligência emocional, quando falamos de raiva, é ser capaz de respirar e se lembrar e de se perguntar: “vou me orgulhar disso quando esse fogo que arde em mim nesse momento apagar?”
Com amor,
Gustavo Engelmann
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